TIRADENTES: A CONSTRUÇÃO DO HERÓI.
Heróis levam multidões a comprar livros, a ver filmes, a acompanhar novelas, mas há alguns que vivem em constante mutação como se a memória ficasse sempre a ajustar a melhor leitura para ele, como se a cada nova pesquisa a mascara do herói fosse refeita e por trás dela se descobrisse novas verdades sobre quem ele realmente era. Um de nossos heróis é desse tipo: Tiradentes.
Este se tornou símbolo republicano quase 100 anos depois de sua
morte. Na falta de um herói civil ou na busca de um herói militar, que não
havia na época, venceu a tradição e o imaginário popular que há muito já
construía uma simpatia pelo herói da revolta mineira. De Tiradentes pouco se
sabe, seu rosto hoje estampado nas fardas das policias militares (na policia de
Minas Gerais sem barba, na do Espírito Santo barbudo), desapareceu “... com a
cabeça, que a mando das autoridades foi separada do corpo; perdeu-se quando os
olhos que o viram vivo também deixaram de ver. Por isso cada um tratou de criar
seu próprio Tiradentes, havendo quem o apresente como imponente oficial e quem
o apresente assemelhado a Jesus Cristo.” (Miceli: 1989:41).
A imagem de Tiradentes retratada nos livros tem muito de arte e
pouco de verdade, sua vida também pode ser descrita sem os apelos que o mito do
herói necessita: nascido em 1746 na Fazenda do Pombal, perto de São João Del
Rei, teve seis irmãos. O ofício de tirar dentes e fazer próteses aprendeu com o
padrinho, que o criou após a morte de seus pais, fora também tropeiro,
minerador, enfermeiro e boticário. Teve um casal de filhos, um com a mulata
Eugênia Joaquina da Silva e outro com a viúva Antonia Maria do Espírito Santo.
Entrou para a Cavalaria, aqui estava o seu maior desgosto (além da pobreza),
pois entrara como Alferes (Segundo Tenente) e neste posto permanecera, sem ter
“conhecimentos”, oriundo de família humilde, estava nesse “marcar passo” uma
das insatisfações de Joaquim José da Silva Xavier, a falta de perspectivas na
carreira militar.
A imagem de Tiradentes trabalhada durante o inicio da República
Velha e que chegou até os nossos dias atuais mostram-nos as várias facetas de
um herói fabricado pelo poder. A tela de José Washt Rodrigues (Museu Histórico
Nacional-Rio de Janeiro) nos mostra um alferes elegante, barbeado, cabelos arrumados,
um imponente militar com olhos buscando o horizonte, passando a imagem de
destemido e determinado. Já o quadro de Autran (Vila Militar-Rio de Janeiro),
talvez seja o mais conhecido e difundido pelos livros didáticos, mostra um
Tiradentes barbudo, com cabelos desgrenhados e longos, com uma corda com um
grande laço ao redor do pescoço, eis ai o Tiradentes cristianizado. Mas isso
seria impossível, pois se sabe que um dos costumes para os condenados à forca é
a perda dos cabelos e da barba para que houvesse a facilidade no trabalho do
carrasco.
Outra tela fomentou ainda mais a identificação de Tiradentes com a
de Jesus Cristo, uma tela de Pedro Américo onde um símbolo da Igreja Católica
aparece em meio de um Tiradentes despedaçado. Símbolos, discursos oficiais e
não oficiais documentos como os Autos da Derrama, trazem diversas
interpretações sobre quem foi o Tiradentes, o que não pode ser esquecido é que
o herói não se faz da noite para o dia, há nos porões da mentalidade coletiva
várias camadas que são colocadas dia a dia e muitas dessas camadas são
trabalhadas pelos detentores do poder para que as rememorações mostrem que o
poder dado a eles é legítimo, foi assim após a Proclamação da República que o
21 de abril de 1792 tornou-se uma data emblemática, a fonte da onde nascera a
República, sendo Tiradentes alçado ao posto de herói, já que os que se
entreolhavam, sejam civis ou militares, não conseguiram ver naquele momento um
herói que justificasse seus atos.
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