A Dengue e os dois Brasis





Na Baixa Idade Média (século XIV a meados do século XVI), a população européia foi tomada por uma epidemia que varreu a Europa e atingiu fatalmente um terço da população: a peste negra.

Entre os anos de 1348 e 1350 o número de vitimas fatais da doença foi de 25 a 35% da população européia, bem como a relação entre os que adquiriam a doença e os que faleciam (taxa de letalidade) era de 70%.(Franco Jr., Hilário. O Feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1996. p.81). 

A doença foi conseqüência das péssimas condições em que o homem medieval vivia, ou seja, uma habitação que não possuía iluminação interna, somente uma janela, sem divisões internas, onde fogueiras eram acesas no meio da residência para fugir do frio. 

Não havia diferença de assepsia entre as residências dos camponeses feitas de adobe e madeira e as dos senhores feudais feitas de pedras, os castelos. Ambos tinham pouca luminosidade, careciam de ventilação, possuíam um buraco no centro para sair a fumaça das fogueiras, sendo que pela mesma cavidade entrava a chuva, lameando o chão de terra batida ou forrada com palha, que com a chuva apodrecia. 

Imaginem ainda a convivência com animais no mesmo recinto; o banho era tomado no máximo três vezes por ano; a água usada em casa era jogada na rua, estas não possuíam esgotos; os rios eram poluídos pelos restos de animais e de comida, quando não infectados por fossas; roupas eram trocadas ou lavadas no máximo três vezes por ano; ratos, percevejos, pulgas, piolhos, faziam parte do dia-a-dia do homem medieval. 

Se a peste negra (bubônica e pneumônica) varreu a Europa no século XIV, cinco séculos depois, precisamente em 03 de dezembro de 1849 um navio negreiro com escala em Salvador trazia um visitante inóspito. Devido ao Bill Aberdeen(1845), lei que os ingleses impuseram as nações escravistas, bombardeando os navios negreiros, libertando os escravos e aprisionando a tripulação, ocorreu o aumento do tráfico negreiro, em conseqüência, as condições higiênicas pioraram devido ao aumento do número escravos trazidos nas embarcações. 

A passagem do navio negreiro Navarre deixou em solo brasileiro o Stegomya Fasciata, e, uma epidemia tomou a Bahia, atingindo também o Rio de Janeiro, atingindo 40% da população e matando 4.000 pessoas. Se você pensa que não conhece o Stegomya Fasciata, não se engane, ele é o mesmo que hoje atemoriza, novamente, a população carioca e brasileira: o aedes aegypti.(Revista Veja, ed. 1741, 06 de março de 2002, ano 35, nº 09, pp. 48). 

Se na Idade Média as condições higiênicas acima descritas facilitaram e ampliaram o poder da peste negra, no Rio de Janeiro, entre o final do século XIX e início do século XX, as condições da cidade, também, auxiliaram ao acontecimento de várias doenças. As condições higiênicas do Rio de Janeiro no início do século XX pioraram devido ao início das reformas urbanas, comandadas pelo prefeito e engenheiro Pereira Passos, o Presidente da República era Rodrigues Alves(1902-1906) que incentivado pelo capital estrangeiro fez do Rio de Janeiro um canteiro de obras, algo parecido com o que César Maia fez há alguns anos e que foi continuado por Garotinho. 

Atualmente assistimos a uma epidemia de dengue. No Rio de Janeiro 29 pessoas foram vitimas fatais da dengue hemorrágica. A humanidade deve aprender com o passado, se as condições sanitárias em bairros do Rio de Janeiro e do nosso estado assemelham-se às do Rio de Janeiro do início do século XX, não será somente com as campanhas educativas que derrotaremos o mosquito, mas também, com a melhora da qualidade de vida de nossa população mais carente, diminuindo assim a diferença de dois Brasil: um do século XXI e o outro medieval.

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