Tarantino e o Uniforme Nazista



“Bastardos Inglórios” (2009) de Quentin Tarantino é um dos grandes exemplos de como a arte pode subverter, desconstruir e até inverter a história. O ponto alto do filme é a morte de Hitler em um dos ambientes mais utilizados para a propaganda nazista: o cinema. Há na obra uma visão contra ideológica do Nazismo, mostrando que não há nada a ser glorificado e nem considerado como humanamente aceitável nele.

A sétima arte pode sim ser esse meio de sublimar determinados temas, caros demais para a memória da humanidade. Pode inclusive torná-lo palatável, homenagear ou mesmo intensificar as imagens e vozes de determinados fatos para que a humanidade não a esqueça.     

No Espírito Santo um professor se fantasiou de “nazista” em uma aula de história (curso pré-vestibular e escolar particular), tendo como tema a Segunda Guerra. O seu objetivo era “desconstruir” o que o Nazismo impeliu a humanidade. E essa desconstrução foi realizada (conforme ele justificou) retirando visualmente sua “farda” e os símbolos utilizados pelo nazismo enquanto explicava o tema.  

Primeiramente devemos questionar o uso do uniforme e da suástica solar para tal “desconstrução”. O uniforme era motivo de orgulho entre os militantes nazistas e tinha uma função primordial dentro da propaganda simbólica do regime: dissimulava as diferenças projetando a imagem de uma comunidade coesa e solidária, diminuía os que se encontravam fora das grandes demonstrações de poder (através da reunião de grandes massas populares) segregava os que não estavam “uniformizados”, dando-lhes o sentido do não pertencimento à “comunidade maravilhosa” oriunda do Nazismo.  

Dentro desse contexto, o uniforme nazista com seus adereços e principalmente a suástica solar era um diferencial propagador do poder do Fuhrer, de subserviência, ao mesmo tempo de “pertencimento” à “comunidade maravilhosa”, não usar o uniforme, não portar seus símbolos era estar fora dessa comunidade. Era ser identificado como inimigo (judeus e comunistas principalmente) a ser combatido pelo nazismo.

O espaço não permite uma discussão mais aprofundada em relação às várias compreensões e leituras das simbologias utilizadas pelo nazismo. Mas cabe alertar que tanto a suástica solar quanto outros símbolos nazistas, como o cumprimento ao Fuhrer, são proibidos por lei na Alemanha. E que no Brasil a apologia ao Nazismo é crime (Lei 7.716/89, artigo 20, § 1º).

Mesmo que, no caso do professor não tenha se constituído crime, há de se considerar a forma como os símbolos nazistas, banidos na própria Alemanha e constituindo no Brasil prática de crime de apologia foram expostos aos alunos.

No caso a simbologia nazista foi tratada como um chiste, uma paródia, levando aos alunos independente do conteúdo a sublimação do verdadeiro valor dos símbolos ali expostos. O mesmo não ocorreria se tal caso fosse mostrado, comparado e/ou inserido os símbolos via “O Álbum de Auschwitz”, por exemplo, pois haveria a contraposição com as vítimas do Holocausto, ora vestidos de prisioneiros de guerra, outras portando a estrela de Davi e outras vezes enrolados em cobertores. 

No ambiente escolar o professor vive de escolhas didáticas e pedagógicas e a suas práxis não é aleatória. Estão imbricadas de seu modo de ver e pensar a ciência/disciplina que “trabalha”, sua visão de mundo, sua ideologia e o seu lugar de fala. No caso em debate há várias outras escolhas a se fazer, que não trariam o desconforto e até o desrespeito às vítimas do holocausto. Por que não escolher o uniforme de preso? Por que não escolher a roupa com a estrela de David? Por que escolher a roupa do algoz?

Se a escola onde ocorreu o fato se deu por satisfeita e aceita tal “incomodo”, não respeita a história dos 6 milhões de dizimados pelo nazismo e aceita o “uniforme” como mais um “recurso didático”, como se sua simbologia fosse sem fundo ideológico e atemporal, erra. Se o professor também não repensa a suas práxis política pedagógica e afirma estar correto, também erra.

Esquecem-se de que a realidade histórica não é piada, que símbolos, ideologias e signos são fortes formadores de consciência e não devem ser subestimados. E que a história do Holocausto mantém feridas abertas na pele da humanidade, não devendo ser objeto de piada, a não ser no Cinema a La Tarantino.


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