ABDIAS DO NASCIMENTO: Um Combatente que nunca ensarilhou sua arma.
Há algumas pessoas que suas carreiras se misturam e entrelaçam com as suas atividades, como se ela não existisse sem aquela ação (sua práxis) e ao analisarmos sua biografia sua luta se confunde com seu próprio caminho, creio que foi assim com Abdias do Nascimento. As suas bandeiras (sim no plural), sua atuação como militante do movimento negro confunde-se com sua própria vida, o que torna quase impossível discernir o ser humano do “homem político”. Assim, em vez de buscar o homem político e destaca-lo escondendo o ser humano, preferi assistir ao documentário que se encerra como uma homenagem a Abdias do Nascimento, mas nos mostra o testemunho ainda em vida do homem que se confunde com sua própria trajetória.
Abdias do Nascimento nasceu a 14 de março de 1914 na cidade de Franca em São Paulo e faleceu em 24 de maio de 2011. A sua primeira experiência de solidariedade racial aconteceu quando sua mãe interviu junto a uma senhora que surrava um menino negro que perambulava pelas ruas da cidade. Mesmo sem saber o motivo pelo qual o garoto estava sendo surrado, em sua memória este momento permaneceu como sendo o primeiro momento que ele presenciou uma intervenção racial. A mãe influenciou muito Abdias no seu desenvolvimento acadêmico. No documentário ele lembra que enquanto sua mãe o incentivava a estudar e ser “doutor”, o pai o contrariava com medo de que acabasse “(...) igual ao filho do Dr. Petraglia que ninguém queria se tratar com ele e ele suicidou-se.” Anos depois se alista no Exército e serve como voluntário, retornando a Franca para o enterro de sua mãe, momento que não entende a quantidade de pessoas que estavam dando adeus à sua mãe naquele dia, pois havia conforme o autor, mais gente que preferia a sua mãe morta à viva. Quando a Frente Negra foi criada em 16 de setembro de 1931, por Francisco Lucrécio, Raul Joviano do Amaral e José Correia Leite (que, depois, dela se afastará por motivos ideológicos), Abdias se encontrava na frente de batalha e não participou da sua fundação em São Paulo. Somente após a 1932 que ele passa a participar da Frente Negra Brasileira. A Frente tinha como objetivo inicial a educação de crianças, jovens e adultos, chegou a organizar os negros em passeatas e até o acesso a força policial foi via FNB e possuía uma posição ideológica ambígua por parte de seus componentes. Em 1936 é fundado o jornal “A voz da raça”, bem como o FNB torna-se um partido político, ou seja, a única experiência de partido político negro brasileiro. Neste período, Abdias do Nascimento tenta por várias vezes entrar em uma Ordem Religiosa, mas não consegue, por ser negro. Após envolver-se em confusão é expulso do exército e muda-se para o Rio de Janeiro. Lá participa por 4 ou 5 meses da Ação Integralista, pois para ele estava lutando contra a CIA que queria ocupar a Amazônia.
A ambiguidade de sua posição em participar do integralismo, acreditando inicialmente que os Integralistas não estavam ligados à Mussolini não durou muito, ao descobrir que lá havia racistas desliga-se do movimento. Em maio de 1938 organiza juntamente com Aguinaldo Camargo e Geraldo Campos de Oliveira o Congresso Afro Campineiro, discutindo as condições de vida do negro nos aspectos, econômico, social, político e cultural. Mas é em 1944 que dará o maior passo de sua vida para o reconhecimento de sua militância: cria o Teatro Experimental do Negro (TEN), que tinha como objetivo: "Reabilitar e valorizar a identidade, a herança cultural e a dignidade humana do afrodescendente. Une a atuação política à afirmação da cultura de origem africana, representando um avanço na luta contra o racismo no século XX. (...) Promove a inclusão do ator, diretor e autor negros num teatro brasileiro, onde a norma era brochar de preto o ator branco quando houvesse um protagonista negro. Revela o potencial cênico dos heróis negros e da epopeia afro–brasileira, até então excluídos da dramaturgia nacional” (CAVALCANTI, 1976, p. 29).Com a peça de Eugenne O’neill apresentada em 08 de maio de 1945, o TEN faz sua estreia no Municipal, o que para Abdias fora um marco histórico que mudou o teatro brasileiro. O TEN manteve-se até o ano de 1964, com a Ditadura as suas atividades foram encerradas. Atrizes como Ruth de Souza e Léa Garcia foram lançadas pelo TEN. Em 1960 a escola de samba Salgueiro ganha o carnaval do Rio de Janeiro com o tema Palmares, exaltando a figura de Zumbi, inaugurando uma nova estética de escola de samba. Abdias ainda nesta época fundará o Museu de Arte Negra e o TEN encenou a peça “Arena Conta Zumbi”. Antes do AI 5 Abidias saí do país e vai para os Estados Unidos. É no período de 1964 a 1981 que a veia artística para as artes plásticas aparecem e ele vive esses momentos entre a vida acadêmica em universidades como professor e como artista, participando de vários eventos como seminários, conferências e Congressos, não deixando a vida política participando também de vários eventos. Em 1981 cria o IPEAFRO – Instituto de Pesquisas e Estudo Afro-Brasileiros na PUC com Elisa Larkin Nascimento, com o “(...) objetivo de aprofundar o conhecimento das matrizes africanas da cultura brasileira numa perspectiva interdisciplinar e desde o ponto de vista próprio da comunidade negra”. Abdias do Nascimento foi suplente de deputado federal em 1982, sendo Deputado de 1983-1987; Senador da República entre 1991 e 1996-1999. Gostaria de ser lembrado como “Um Combatente que nunca concordou em ensarilhar as armas.”.
REFERÊNCIAS - Documentário Abdias do Nascimento. Memória Negra. Filme Documentário. Direção e Roteiro de Antonio Olavo, duração 95 minutos, 2008. - CAVALCANTI, Celso Uchoa (Coord.). Abdias do Nascimento. Memórias do Exílio. São Paulo: Editora e Livraria Livramento LTDA., 1976. p. 23 – 52. - www.ipeafro.org.br
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