SOMOS TODOS CHARLIE HEBDO?




Desde a segunda Guerra Mundial não se tinham notícias de uma onda migratória tão grande para Europa como se tem notícia após o início da “Primavera Árabe”, ou seja, uma série de manifestações e protestos que tomaram conta do Oriente Médio e do norte da África a partir de dezembro de 2010. Essas manifestações mudaram totalmente as perspectivas políticas, econômicas e a geopolítica mundial.


Diferente das manifestações de rua brasileira, o que se viu na região foram deposição de governos, guerras civis, revoluções, reestruturações políticas, econômicas, geopolíticas e crises sociais.

Há ainda muitas regiões em conflito. A Síria é um exemplo de país onde as mudanças oriundas da Primavera Árabe ainda não terminaram. O conflito iniciado em janeiro de 2011 através de manifestações populares, utilizando-se, inclusive, as mídias e as redes sociais buscava inicialmente liberdade de imprensa e a defesa dos direitos humanos, o fim do regime Bashar Al Assad, com a proposta de uma transição de regime.

Ocorreram manifestações em frente ao Parlamento Sírio e embaixadas estrangeiras, tendo como resposta do Presidente Bashar Hafez al-Assad a utilização da violência através da policia e  exército, buscando reprimir e parar as manifestações, o que não conseguiu.

O acirramento da guerra civil ocorreu após março de 2011, quando parte dos oficiais do exército sírio desertaram, dando início a formação do Exército Sírio Livre, passando este último a ocupar parte da Síria. A guerra civil alastrou-se pelas cidades tomadas pelo Exército Sírio Livre e quem mais tem sofrido desde o início da guerra são os civis que são vítimas de ambos os lados.


Atualmente a Síria se encontra dividida em áreas “ocupadas” pelo Governo do Presidente Bashar Hafez al-Assad, Exército Sírio Livre, Estado Islâmico, Unidades de Proteção Popular(Forças Curdas), Frente Al-Nusra e a Oposição Síria.

A história da família Kurdi é uma das tantas de imigrantes sírios que tentaram fugir da guerra e chegar à Europa. Pode ser também um resumo da dor de outros que fogem de seu país de origem, buscando ajuda humanitária em outros países.

Em 04 de setembro de 2012  Abdullah Kurdi, juntamente com sua mulher Rehanna e seus filhos Aylan(três anos) e Ghalib(cinco anos) tentaram chegar a Europa através do Mar Egeu em um barco com condições precárias( e que lhe custou R$ 16.500,00 pago a um  traficante), com destino às ilhas Kos na Grécia e posteriormente Canadá.

A família já havia presenciado a guerra em Damasco fugiu para uma cidade próxima a Kobane e quando eclodiu a guerra em Kobane entre o Estado Islâmico e as Forças Curdas buscou a Turquia.

A família Kurdi não possuía qualquer documentação que comprovasse a sua “saída” da Síria, evidentemente, que em condições de guerra a busca de um novo país pra viver e receber cidadania se tornam mais difíceis. E a Turquia não lhes deu cidadania, ao contrário, as regras impostas àqueles que fogem da guerra sinaliza para que vivam pelo menos um ano com liberdade de locomoção, mas para isso teriam que ter passaportes sírios, o que a família Kurdi nunca teve.

Assim, sem a comprovação de sua “saída” da Síria documentada através de passaportes e vivendo irregularmente na Turquia não restou alternativa à família Kurdi a não ser tentar chegar a Europa através do mar. O final foi trágico, morreram 12 pessoas na travessia, outra embarcação também teve fim trágico. E Abdullah Kurdi perdeu seus filhos e sua mulher.

A imagem de Aylan Kurdi( ou Alan) rodou o mundo e chamou a atenção para a ajuda humanitária para a região bem como para a discussão sobre a questão migratória que assola a Europa e que é hoje um dos temas mais contundentes tanto para a saúde interna do continente quanto para a geopolítica internacional.

Depois de toda a comoção que tomou conta das redes sociais e a discussão pelos órgãos internacionais de direitos humanos, o jornal francês CHARLIE HEBDO lançou em seu último número uma charge que mostra dois homens correndo atrás de duas mulheres, com a frase: "Migrantes: no que teria se transformado o pequeno Alan se tivesse crescido?". E abaixo a resposta: "Apalpador de bundas na Alemanha".

Lembramos que em 07 de janeiro de 2015 o Charlie Hebdo foi vítima de um ataque por homens armados que resultou na morte de 12(doze) pessoas. O ataque “terrorista” ao jornal levou a comoção internacional e as várias mídias com a hastag #jesuischarliehebdo espalhou-se pelo mundo dando apoio ao que o jornal diz ser “liberdade de imprensa”.

Há de se lembrar de que o ataque ao Charlie Hebdo se deu devido a uma charge onde ridicularizava o profeta Maomé o que, também, não justificava o ataque e nem às mortes das doze pessoas.

A publicação do Charlie Hebdo refere-se à noite do dia 31 de dezembro de 2015, na cidade de Colônia, Alemanha (que registrou no ano de 2015 1,1 milhão de pedidos de asilo) quando cerca de 1.000 pessoas se aglomeraram próximo a Estação Central de trens de Colônia. Houve no réveillon de Colônia ataques a mulheres e crimes sexuais registrados pela polícia nas imediações da Estação Central. Na maioria das acusações de crimes sexuais, as mulheres acusavam “imigrantes”, com as características de árabes ou norte africanos.  


E o que AYLAN KURDI, tem a ver com os “apalpadores de bunda” da Alemanha? O jornal Charlie Hebdo (se é que podemos chamá-lo assim) extrapola o nível do que é aceitável em relação aos direitos humanos. Sua posição em nada acrescenta ao debate emigração/xenofobia, ao contrário, inflama uma parte da direita em países europeus que veem os imigrantes como a “peste negra” do século XXI.


A rainha Rânia da Jordânia nos dá outra alternativa para a publicação feita pelo Charlie Hebdo referente ao "futuro" de Aylan, bem diferente da visão xenófoba do Charlie Hebdo, ela divulgou o desenho do caricaturista jordaniano Osama Hajjaj,  respondendo a pergunta: No que teria se transformado o pequeno Aylan se tivesse crescido?". Ela responde: "Aylan poderia ter sido médico, professor ou um pai carinhoso".

Até onde “isso” que o Charlie Hebdo pratica deve ser estimulado? Somos todos mesmo Charlie Hebdo ou somos um monte de Aylans enterrados com a cara na areia mortos, desterrados e sem esperança nenhuma na humanidade?

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