VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE E O PAPEL DOS MUNICÍPIOS
No Brasil, há muito tempo, a
questão da violência vem tomando a agenda pública e se colocando como um
desafio para cada gestor, em qualquer nível da federação. Não mais dá para
dizer que é função do governo estadual as intervenções na questão da violência
e da criminalidade. Aliás, esse mantra muito dito na década de 80, após 88 vem
caindo por terra, pois como em qualquer federação, hoje o município é um ente
federativo autônomo, ou seja, o prefeito é autoridade soberana em sua
circunscrição, bem como os outros níveis de governo, Estadual e Federal
(União). (ARRETCHE, 2000:47).
Essa autonomia que no nível
de gestão coloca o prefeito e os demais gestores municipais como os maiores
responsáveis pelas políticas de prevenção da violência e da criminalidade. É no
município, no dia a dia do cidadão que ele pode avaliar o atendimento ou não
aos seus anseios oriundos dos serviços prestados pelo Estado. É no nível
municipal que, também, pode-se avaliar e monitorar cada política de forma a
cumprir com determinado objetivo oriundo da aplicabilidade de determinada
política pública.
É no município que os
programas de prevenção à violência se tornam capazes de atingirem seus
objetivos, devido à proximidade com a população, a gestão da violência, sim
existe uma gestão que compreende a violência, deve ser realizada com a conexão
de secretarias, onde serviços de ação social, urbanização, iluminação,
prevenção às drogas na escola, prevenção à saúde do trabalhador, entre outras
sejam conectados e monitorados, visando à melhora de vida da população de um
determinado território. Território aqui “(...) representa o chão do exercício
da cidadania, pois cidadania significa vida ativa no território, onde se
concretizam as relações sociais, as relações de vizinhança e solidariedade, as
relações de poder.” (KOGA, 2011:33).
Os territórios a que me
refiro devem ser analisados de forma a mostrarem congruência em uma ocupação de
espaço e não desigualdades, assim a análise deve ser feita a partir de quem
ocupa e como ocupa o espaço, não como áreas administrativas e divisão geográfica
que em nada ajudam a compreensão dos indivíduos que vivem em determinado
espaço. O território é então compreendido a partir do seu uso e juntamente com
aqueles que o ocupam e utilizam (SANTOS, 2000:22).
Por isso é grande o desafio
do gestor municipal ao destinar políticas de prevenção à violência para as periferias,
pois elas não devem ser direcionadas tendo como objetivo um território
homogêneo, ao contrário, com a participação da população e com a interconectividade
entre as secretarias, deve-se buscar a compreensão de cada “pedaço” para que
realmente a política possa atingir os objetivos propostos pelo governo
municipal, bem como atender aos anseios da população. Sendo assim evitam-se
problemas de não compreensão da população por determinada política pública que
não atende aos seus anseios.
Quanto ao município ser o
principal artífice da prevenção da violência deve-se ao fato de que as
principais instituições mais próximas à população estão nesse nível de gestão,
principalmente as escolas, fruto de um processo de descentralização que vem
ocorrendo desde os anos 90 do século passado. Da mesma forma, o acompanhamento
da saúde da população, bem como a ações de assistência social, são melhores
monitoradas junto à população quando os programas são diuturnamente monitorados
e tem uma base sólida e metodológica que permite a aproximação com o público
alvo, dando feedback constante a ponto do gestor poder redimensionar os objetivos
e metas a cada insucesso ou incongruências na implementação dos programas ou projetos.
No espírito Santo, um
desafio que se coloca para os prefeitos é o controle ou diminuição do número de
homicídios. Não que esta demanda seja totalmente do ente federativo municipal,
mas para a população esta demanda, também é do Prefeito. A maioria das ações
que vem sendo implementadas nesta área são a implementação das Guardas municipais
e o videomonitoramento. Mas essas duas ações devem ser acompanhadas de uma
especialização cada vez maior das Guardas no controle e fiscalização do
trânsito, bem como na prevenção da violência e da criminalidade. Esta especialização
da Guarda amplia o atendimento a população, bem como produz uma maior
capacidade das polícias de atendimentos a mesma população. É com a complementaridade
das ações que se pode diminuir e controlar a violência e a criminalidade e não
com a segmentação e falta de conectividade.
Este controle deve ser
compartilhado pelos entes federados, como vem ocorrendo, com programas
descentralizados que são em parte demanda da União, bem como do nível Estadual.
Ao analisarmos os números de homicídios por municípios dos últimos dez anos vêm
ocorrendo uma diminuição do número de homicídios, inclusive na metrópole, e,
consequentemente a inclusão de novos territórios em aumento de violência, bem
como manutenção em outros de níveis bem baixos e alguns até com nenhum homicídio
por ano.
Quando uma pessoa lê em
jornais sobre o quantitativo de homicídios por 100 mil habitantes, pensa na
maioria das vezes, que ela pode ser atingida da mesma forma, ou seja, que em
qualquer lugar que ela esteja pode ser vítima de morte violenta. A percepção de
cada pessoa sobre a questão da violência e da criminalidade é construída
socialmente, assim há um medo social, que tem o objetivo de submeter pessoas e
coletividades a determinados interesses coletivos e individuais, com o objetivo
de subjugo, domínio e controle sobre outros, de forma coercitiva, levando o
medo a determinadas coletividades, territorializadas em um determinado espaço,
temendo as ameaças oriundas desses grupos. (BAIERL, 2004:42).
Da mesma forma, os atos
violentos e crimes não se espalham pelo território homogeneamente. Há local
onde ocorrem mais crimes contra a vida e outros onde o patrimônio sofre a maior
ameaça, claramente há uma relação entre o PIB per capita e o poder aquisitivo
de cada local. No ano de 2012, treze municípios não tiveram vítimas de homicídios
no Espírito Santo. O que os diferenciam dos outros municípios onde ocorreram
homicídios? A diferença só pode ser analisada diante de cada “pedaço”, de forma
a compreender todas as relações sociais, econômicas, políticas, etc. de cada
território.
Em principio, os municípios
que passaram muito tempo sem ocorrerem homicídios são em sua maioria distantes
do centro nevrálgico da metrópole; um segundo fator é que são pertencentes a
uma cultura local onde ainda permanecem os laços parentais e de vizinhança, bem
como comunitário. Nesses locais as pessoas, em sua maioria conhecem as outras,
bem como quando não conhecem formalmente conhecem “de vista”; os poderes locais
são bem ligados uns aos outros, assim o gestor municipal decide muito próximo à
comunidade, bem como o Legislativo e o judiciário. O cidadão é mais próximo aos
poderes constituídos e sente-se mais protegido contra todas as “invasões
bárbaras” que por acaso ocorrerem. Já nas Metrópoles, o distanciamento da
população da política e consequente da Ágora, faz com que tenhamos o destino
contrário.
Mas há também as médias
cidades, onde uma urbanização não planejada e nem acompanhada, aliada a
projetos imobiliários que levam cada vez mais parte da população para as
franjas das cidades transformando em territórios sem o alcance da cidadania e
que depois são levadas ao estigma das favelas. Da mesma forma, há cidades,
também em que a urbanização não fugiu ao controle do Estado, assim a periferia
que é desenhada nessas cidades mesmo sendo alcunhadas de “favelas”, é, na maioria
das vezes, acompanhada de perto pelo município, o que faz com que tenha a
partir de algum momento o acesso a serviços de urbanização. Outro fator é a
baixa densidade populacional, que permite o controle das agências de segurança
públicas e privadas, o monitoramento constante e o acompanhamento da população
das políticas implementadas.
Assim, cabe aos gestores
municipais organizarem cada política de forma a atender o seu território, políticas
públicas descentralizadas que compartilham a responsabilidade sobre a questão
da violência e da criminalidade. São no nível municipal, através das políticas
públicas de prevenção a violência e a criminalidade que o Estado pode ter suas
maiores vitórias, mas isso demanda tempo. Prevenção é feita com tempo,
planejamento, revisão de metas, novas implementações e muita paciência, os
resultados são sempre a médio e longo prazo, principalmente, quando se trata da
nossa juventude. Não há formulas prontas, mas sim desafios a serem aceitos e
construídos com quem ocupa o território.
Referências
Bibliográficas:
ARRETCHE, Marta. Estado
Federativo e Políticas Sociais: Determinantes da Descentralização. Rio de
Janeiro; Revan; São Paulo:FABESP, 2000.
BAIERL, Luzia Fatima. Medo
Social. Da violência visível ao invisível da violência. São Paulo: Cortez,
2004.
KOGA, Dirce. Medidas de Cidades.
Entre Territórios de vida e Territórios vividos. São Paulo: Cortez, 2011.
SANTOS, Milton. Território e
Sociedade: Entrevista com Milton Santos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2000.
Obs.: Uma versão deste artigo foi publicada no Jornal "A Tribuna" do Espírito Santo, no dia 15 de janeiro de 2013, página 23.
Comentários
Postar um comentário