Treze de Maio: O espelho que só reflete o que queremos ver.


O 13 de maio traz em si uma discussão sobre a tradição. Se há pouco tempo atrás se comemorava a data e louvava-se a Princesa Isabel, a “redentora” pelo ato de libertar os escravos no Brasil, hoje há uma “tradição inventada”. Se o 13 de maio deixa de ser a data de comemoração ou rememoração do ato do fim da escravidão brasileira, simbolicamente há de se buscar uma data que signifique o aspecto da luta do negro para a sua emancipação, não como se sua liberdade viesse do Estado nascente brasileiro, mas como um processo de luta em que o próprio negro interviu de várias maneiras e principalmente pela resistência. 
A tradição inventada, conforme Hobsbawm visa o inculcamento de valores e normas de comportamento através da repetição, o que faz com que o passado passa a ter uma continuação no presente, mas neste caso com um novo significado. Falo da “tradição inventada”, pois se constitui o 20 de novembro na data de novo significado do passado escravista brasileiro. Se o 13 de maio é uma “data branca” o 20 de novembro se adequa a leitura do movimento negro e dá um novo significado ao fim da escravidão no Brasil. Assim, o 20 de novembro data da morte de Zumbi, o herói do Quilombo dos Palmares é mais importante do que o 13 de maio para a tradição inventada atual. Da mesma forma o 13 de maio passou a ser o Dia da Denúncia Contra o Racismo no Brasil. Mas se cai em uma armadilha, pois o 13 de maio continua sendo na memória nacional o dia do fim da escravidão brasileira e qualquer um adulto que estudou no período militar até a década de 1980 no Brasil, experimentou através dos livros didáticos a visão da liberdade dos negros dada por uma princesa bondosa e chegaram até a colorir seus colares em desenhos nos cadernos e nos livros com sua figura de olhos distantes mas bondoso.
Se a tradição inventada vence a memória fabricada é questão de analisarmos como nas nossas escolas os professores têm ensinado a história do negro e da África, para que não se troque um mito por outro. A memória sobre a escravidão em certo ponto vem sendo trabalhada para o esquecimento desde um ano após a sua declaração. Em 14 de dezembro de 1890, Rui Barbosa, Ministro da Fazenda, ordenou a destruição de arquivos no seu ministério que se referiam a escravidão, prevenindo-se dos proprietários que poderiam requerer indenizações, mas provocando um “damnatio memoria”, pois foram com isso fontes preciosas que poderiam esclarecer muito da escravidão para os historiadores. Outra forma de apagar a memória da escravidão brasileira foi a teoria de que com o tempo o elemento negro desapareceria, como uma mágica, através do branqueamento da população com a imigração europeia, hoje prova-se através dos Censos que a população negra nunca decresceu em números em relação a população branca e cresceu em números a auto declaração dos brasileiros que trazem consigo a “identidade” negra, ou seja, não se escondem mais classificações que buscavam atenuar o percentual de negros dentre a população. Da mesma forma, intelectuais, como Gilberto Freyre, que propagou a ideia de que diferente de todas as outras nações o Brasil fundava-se em uma mestiçagem física e cultural onde a presença do africano não é mais uma mácula a apagar, mas uma contribuição mais importante do que a influência ameríndia, a escravidão passava a ser uma contribuição, não mais um recalque, mas minimizam-se as suas consequências, enquanto teoria em muito influenciou a leitura dos livros didáticos e a interpretação suavizante das relações entre escravos e senhores. Os livros não traziam informações sobre as rebeliões de escravos, nem os diferenciava, tornaram os africanos donos de somente um rosto e todos com a mesma função na sociedade brasileira: ser escravo. Mas havia todos os tipos de escravos, os boçais e os ladinos, boçais os que não falavam a língua nem o costume da terra brasileira, ou seja, africanos recém-chegados e que ainda falavam a sua língua natal e mantinha intacta a sua cultura, bem como havia os ladinos, que já haviam se adaptado não só a língua, mas também à cultura e truques locais. Da mesma forma, africano nascido no Brasil era chamado de “crioulo” e os com que traficados eram chamados de “africanos”. Havia “nações” de todas as origens e determinadas “nações” cresceram em densidade demográfica em determinadas regiões do país e em outras pouco apareciam, sendo que essa “ordem” de nações não dava a “identidade” do africano, pois após percorrer vários ou centenas de quilômetros, não informavam a sua origem, a sua terra natal, mais provavelmente o local onde haviam sido reunidos para serem traficados. 
Assim, a identidade do africano constitui-se da visão e da classificação do traficante e não do escravo, fazia parte da prática classificatória do traficante e não do africano. Assim os traficantes baianos que preferiam os africanos da região do litoral norte do Golfo de Benin, chamado na época de “Costa da Mina” (África Ocidental), daí a denominação dos africanos de “Minas”, identificando-os conforme o local de onde haviam sido capturados. Os traficantes cariocas abasteciam em Cabinda, Luanda e Benguela, entre o Congo e Angola o que fez com que no início do século XIX, mais de dois terços dos escravos do Rio de Janeiro fossem oriundos da África Central e Austral. Os “Minas” só aumentaram sua população na capital do país após 1835 com o tráfico inter-regional, com o declínio das regiões açucareiras do nordeste e após a Revolta do Malês. 
As várias “nações” identificavam e classificavam os africanos, nos registros paroquiais constavam como parte da identidade do africano (“Manuel Congo, por exemplo). No Rio de Janeiro do século XIX haviam várias “nações” como por exemplo: mina, cabinda, congo, angola(ou luanda), cassanga, benguela, Moçambique e cabundá(que às vezes são incluídos na nação angola). As nações mesmo sendo parte da práxis classificatória do traficante é reivindicada pelo africano, buscando e dotando de um conteúdo que lhes dê uma identidade e que os faça reconhecerem-se entre si através de práticas e de lembranças, repassadas uns aos outros e inclusive aos novatos, restabelecendo parte de uma ordem social que direciona ao local de onde foram arrancados e não a que estavam inseridos naquele momento. Os quilombos lançados à memoria nacional como poucos ou somente o que mais ficou famoso, Palmares, não foram inseridos nas leituras das crianças e adolescentes do século passado. Reportando-se somente a Palmares (que durou todo século XVII em Alagoas), normalmente com poucos textos, os livros didáticos trabalharam nossa memoria nacional como se as revoltas e rebeliões fossem em um espaço de tempo definido e por isso, poucas. O Rio de Janeiro era juncado de quilombos por todos os lados, cheios de mocambos(do termo ambundo mukambo, significando “esconderijo”) durante todo o tempo que durou a escravidão. Com a Constituição Federal de 1988, ocorreu a previsão de legalização das terras quilombolas pelos descendentes dos africanos, exemplo disto é que em março de 1999, a vice governadora do Rio de Janeiro Benedita da Silva, reconheceu os direitos de uma propriedade de 290 hectares pertencentes a 85 famílias de Campinho da Independência, município de Parati. Mas os livros didáticos minimizaram a quantidade de quilombos e mocambos como se os africanos não se organizassem nas fugas e nas revoltas. 
A “Lei Áurea” nº 3353 de 13 de maio de 1888, continua sendo na memória nacional o dia da abolição dos escravos no Brasil, mesmo que naquela data somente 25% da população escrava não havia sido liberta. Mas essa “fabricação” realizada pelo Estado, que apagou tudo o que fora feito com os Africanos e seus descendentes foi desfeita por uma historiografia que deu voz aos “escravos”; que refez as relações raciais não só na Casagrande e Senzala, mas até culturalmente, mostra que no presente as consequências tem sido danosas para os afrodescendentes. No Espírito Santo, como exemplo, a população carcerária negra é maior 3 vezes do que a branca, ou seja, a chance de um negro ser preso é 3 vezes maior do que um branco. Da mesma forma dentre a população que recebe até R$70,00(setenta reais) estabelecido pelo Governo Federal como a linha de pobreza encontra-se 16,2 milhões de brasileiros, destes 11,5 milhões são pardos ou pretos, ou seja, para cada branco há 2,7 pretos ou pardos abaixo da linha da pobreza. São os negros os que morrem mais na carnificina diária brasileira, entre 15 e 29 anos cinquenta por cento dos que faleceram entre 2001 e 2007 eram negros (IPEA). Negar tais índices e não compreender que as relações raciais brasileira são fruto do nosso passado escravista é negar a história e manter o mito da democracia racial como se fosse o espelho que só reflete o que queremos ver.

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