AS CIDADES DE DEUS



Existia em Canudos um morro denominado Favela. Após o fim do movimento social com a vitória do exército, muitos ex-combatentes ao chegarem ao Rio de Janeiro juntaram-se a outros moradores que foram expulsos dos vários cortiços que estavam sendo derrubados no Rio de Janeiro, dentre eles, um dos mais famosos: o Cabeça de Porco.

Um dos livros que nos conta a vida diária das pessoas que viviam nessas moradias coletivas é “O Cortiço”, de Aluisio de Azevedo. O morro onde foram morar os ex-combatentes ficou conhecido como “Morro da Favela”, coincidentemente, o mesmo nome de um dos morros de Canudos. O Aurélio reforça essa ideia, confirmando que o Morro da Favela (RJ) teve esse nome por causa dos ex-combatentes de Canudos e nos dá visão atual do que é uma favela: “Conjunto de habitações populares toscamente construídas (por via de regras em morros) e com recursos higiênicos deficientes”.

Em “O Cortiço”, Aluisio de Azevedo nos brinda com um personagem que tem vida própria, como se os personagens de carne e osso vivessem por causa dele, é o próprio cortiço, o maior personagem do romance. É ele que transcende das palavras e arrasta os personagens para o tudo ou nada.

O mesmo naturalismo de “O Cortiço” existe na obra de Paulo Lins, “Cidade de Deus”. Como no texto de Aluisio de Azevedo é a “Cidade de Deus” o principal personagem, que determina e  condiciona o homem a mudar, mesmo quando ele não quer, a máxima naturalista vence: “o meio condiciona o homem.”. Mas se o homem não quer como fugir do mundo do crime? Essa é a história do livro que virou filme.

O livro foi lançado em 1997, o longa metragem de Fernando Meireles e Kátia Lund é deste ano, narra as décadas de 60 a 80. Mostra como a Cidade de Deus transforma-se com o tempo. E como as drogas passam a ser o capital de um bairro pobre da zona oeste do Rio de Janeiro. O bairro nasceu da mesma forma como alguns bairros nascem em nosso país. No governo Carlos Lacerda, entre 1962/65, construído para abrigar vítimas das enchentes daquela época. Como a maioria das vezes, construída para atender um pedido momentâneo da sociedade, depois abandonada ao “Deus dará”, resultando em mais um bairro onde a miséria e a desesperança grassam.

O filme e o livro devem ser consumidos como uma análise sociológica de nossa sociedade, essa análise iniciou-se com o documentário: “Notícias de uma Guerra Particular”, de João Salles, acrescentamos outra película: “O Invasor”, de Beto Brant. Esses três filmes fecham uma ideia de como a sociedade brasileira teima em acreditar que há um Brasil das favelas e outro do asfalto, como habitássemos outra dimensão que deve ser estudada de longe, como se fosse simplesmente um filme e mais nada.

Não é de hoje que no Brasil, semeia-se miséria para colher votos, ou procura-se uma solução paliativa para alguns problemas, que acabam gerando outros problemas. Foi assim no Rio de Janeiro na República Velha, quando devido à modernização da cidade, os cortiços foram derrubados e parte da população migrou para os morros, é assim quando políticos ou lideranças locais incentivam invasões que acabam transformando-se em um grande problema social.

A película “Cidade de Deus” mostra como o tráfico que muitos denominam de “poder paralelo” age dentro das comunidades carentes. Esse poder paralelo não existe, é efêmero. Assim como a maioria dos líderes do tráfico, pois é essa efemeridade que não permite que um “Estado Paralelo” se instale. As várias Cidades de Deus que existem no país existem por uma falta de planejamento, saneamento básico, escolas, opções de lazer e emprego. Não é a favelização do país que nos levarão ao primeiro mundo, mas uma maior atenção do setor público pode colocar as Cidades de Deus perto de Deus.

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